Muitos de nós começamos o ano fazendo uma lista de resoluções — mudanças que queremos fazer para sermos mais felizes, como, por exemplo, se alimentar de forma mais saudável, fazer mais trabalhos voluntários, ser um cônjuge mais atencioso, e por aí vai. Mas, como sabemos, muitas vezes falhamos ao cumprir essas metas. E depois de algumas falhas, nós tipicamente desistimos e voltamos aos nossos velhos hábitos.
Por que é tão difícil cumprir as resoluções nos obrigam a fazer mudanças efetivas ou duradouras? Eu diria que o problema não é que tentamos e falhamos; o problema é a forma como tratamos a nós mesmos quando falhamos.
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Eu estudo autocompaixão, e minha pesquisa e a de outros mostraram que a forma como nos relacionamos com o nosso fracasso pessoal — com bondade ou com auto-julgamento severo — é extremamente importante para construir nossa resiliência.
Desde a primeira infância, nós somos ensinados que devemos ser bem-sucedidos a qualquer custo. O que muitos de nós não somos ensinados é como “falhar com sucesso”, para que possamos mudar e crescer.
Uma das melhores formas de lidar com o fracasso é ter autocompaixão.
O que exatamente é autocompaixão?
Eu defino autocompaixão como um conjunto de três componentes principais: bondade consigo mesmo, senso de humanidade e mindfulness. A bondade consigo mesmo se refere a tendência a ser cuidadoso, compreensivo e solidário com nós mesmos quando falhamos ou cometemos erros ao invés de ser duramente crítico ou julgador.
Senso de humanidade envolve o reconhecimento de que todos os seres humanos são imperfeitos, e relacionar a sua condição falha à condição compartilhada de todos os outros seres humanos, para que possamos ter uma melhor perspectiva sobre os nossos próprios defeitos e dificuldades.
Mindfulness envolve estar consciente que existe a dor associada ao fracasso, de uma maneira clara e balanceada, para que nós não a ignoremos, mas também não fiquemos obcecados pelas nossas falhas.
As três juntas se combinam para criar um estado de espírito autocompassivo.
Um grande corpo de pesquisas mostra que a autocompaixão resulta em um maior bem-estar emocional. Uma das descobertas mais consistentes dessa pesquisa é que maior autocompaixão é ligada a menores índices de depressão, ansiedade e estresse.
Além de reduzir esses estados mentais negativos, a autocompaixão parece elevar ainda mais os estados positivos, como otimismo, gratidão e curiosidade. Ao responder ao próprio sofrimento com o abraço caloroso da autocompaixão, os sentimentos positivos como a felicidade são gerados, ao mesmo tempo que as emoções negativas são aliviadas.
Autocompaixão foi descoberta como sendo uma fonte muito importante de enfrentamento e resiliência ao lidar com diversas situações estressantes da vida, como divórcio, condições crônicas de saúde ou combate militar. Ela também reduz a insatisfação com o próprio corpo e também leva a hábitos alimentares mais saudáveis (relevantes para muitas das resoluções de Ano Novo por aí!).
Dúvidas sobre a autocompaixão
Se a autocompaixão é tão importante para nós, por que não somos mais bondosos com nós mesmos?
Talvez o maior obstáculo para a autocompaixão seja a crença de que ela irá minar nossa determinação. Durante a criação dos filhos, a sociedade já não se atém mais ao ditado “quem o castigo poupa, estraga a criança”. Mas, em se tratando de nós mesmos, muitos de nós pensamos que evitando o castigo da auto-crítica severa, nós estaremos nos tornando mais preguiçosos ou crianças mimadas auto-indulgentes. Esse tema surge constantemente nas oficinas que eu leciono.
Claro, as dinâmicas aplicadas no incentivo de nossos filhos e no nosso próprio são bastante similares. Suponhamos que nosso filho adolescente venha para casa com uma nota abaixo da média de aprovação. Você tem duas formas de motivá-lo a se esforçar mais e se sair melhor da próxima vez.
Você pode repreendê-lo e dizer o quão estúpido ele é, e que você tem vergonha dele. A outra forma é, sabendo o quão chateado ele está, você daria um abraço nele e perguntaria gentilmente como pode ajudá-lo para que tenha melhores resultados na escola. Esse tipo de resposta carinhosa e encorajadora ajudaria o seu filho a manter a sua autoconfiança e se sentir apoiado emocionalmente. O mesmo se aplica a como agimos com nós mesmos quando falhamos.
Como a autocompaixão melhora a nossa determinação?
Pesquisas cada vez mais frequentes indicam que maiores níveis de autocompaixão estão ligados a maior determinação. Ela também foi associada com maior iniciativa pessoal – o desejo de alcançar seu potencial máximo.
Pessoas autocompassivas também são mais propensas a adotar “metas de maestria”, que focam no aprendizado e domínio de habilidades para melhorar suas competências, e menos propensos a adotar “metas de performance”, que são primariamente focadas em ser bem sucedido para causar uma impressão positiva em outros.
Embora pessoas autocompassivas tenham padrões de performance tão altos quanto daqueles que são duramente críticos consigo mesmos, eles não ficam tão abalados quando não alcançam seus objetivos. Como resultado disso, as pessoas autocompassivas têm menos ansiedade causada pela necessidade de desempenho e têm menos comportamentos auto-destrutivos como a procrastinação.
As pessoas autocompassivas não só são menos propensas a ter medo do fracasso, quanto quando elas realmente fracassam, elas têm mais chances de reeguerem e tentar de novo.
Uma série de experimentos realizados pelos psicólogos Juliana Breines e Serena Chen, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, examinou se ajudar estudantes da graduação a se tornarem mais autocompassivos impactaria na sua motivação para mudar.
Em um estudo, foi solicitado aos estudantes que relembrassem uma situação pela qual eles se sentissem culpados, – colar numa prova, mentir para seu(a) parceiro(a) romântico, dizer algo que magoou alguém, etc. – algo que ainda fizesse com que se sentissem mal quando pensavam sobre isso.
Em seguida, eles foram designados aleatoriamente para um dos três grupos. No grupo de autocompaixão, os participantes foram instruídos a escrever para si mesmos por três minutos, pela perspectiva de um amigo compassivo e compreensivo.
No segundo grupo, as pessoas tinham que escrever sobre suas características positivas e, no terceiro, sobre um hobby que eles gostavam. Esses dois grupos de controle ajudaram a diferenciar autocompaixão de falas, atitudes e humor positivos em geral.
Os pesquisadores descobriram que os participantes que tiveram ajuda para se tornarem mais compassivos sobre seus “delitos” recentes relataram estar mais motivados a se desculpar pelo prejuízo causado e mais comprometidos a não repetir esse comportamento do que aqueles nos grupos de controle.
Sustentando sua motivação através da bondade
Outro estudo na mesma série de experimentos investigou se a autocompaixão se traduzia diretamente em maiores esforços para aprender com as falhas. Os estudantes que participavam do estudo receberam um teste de vocabulário muito difícil e todos se saíram muito mal nele.
Um grupo de estudantes recebeu instruções para serem autocompassivos sobre sua falha. A instrução dizia:
Se você teve dificuldade no teste que você acabou de fazer, você não está sozinho(a). É comum para os estudantes terem dificuldades em testes como esses. Se você se sente mal sobre o seu resultado, tente não ser tão duro consigo mesmo.
Outro grupo recebeu um incentivo para melhorar a sua auto-estima, que dizia:
Se você teve dificuldade no teste que acabou de fazer, tente não se sentir mal consigo mesmo – você deve ser inteligente, se conseguiu entrar em Berkeley!
O último grupo não recebeu nenhuma instrução adicional.
Em seguida, os estudantes foram avisados que receberiam um segundo teste de vocabulário, e receberam uma lista de palavras e definições para que pudessem estudar o máximo que pudessem, antes de fazê-lo. O tempo de estudo foi usado como uma medida do aumento da motivação.
Os estudantes que foram ensinados a ser mais compassivos depois de falhar no teste passaram mais tempo estudando do que aqueles dos outros dois grupos. O tempo de estudo teve relação direta ao quão bem os participantes se saíram no teste.
Essas descobertas sugerem que ser mais gentil e bondoso consigo mesmo quando você falha ou comete erros te dá o suporte emocional que você precisa para tentar o seu melhor, e continuar tentando mesmo quando se sentir desencorajado.
Gentileza e bondade são os motores que nos impulsionam a continuar tentando mesmo depois que caímos de cara no chão. Então, nesse Ano Novo, quando você fizer (e inevitavelmente quebrar) suas resoluções, ao invés de se punir e, então, desistir, tente ser mais gentil consigo mesmo. A longo prazo, você terá mais chances de ter sucesso em suas metas.
Artigo originalmente publicado em [The Conversation]. Traduzido por Tutano.
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