Decidi começar esse texto com sinceridade. Assumo: escrever sobre esse assunto não foi ideia minha. Quem me sugeriu foi minha namorada, durante uma conversa que tivemos com uma grande amiga minha. Apesar da discussão estar em pauta na sociedade, exaustivamente, não nos envolvemos. Aqui mesmo no Tutano tem a Letícia, uma colunista que escreve sobre mulheres em empresas de tecnologia, mas eu nunca tinha pensado em tocar no assunto. Essa reflexão me atingiu em cheio como um tapa na cara. E espero que surta o mesmo efeito sobre todos os homens que lerem este texto.
Leia também:
» Entrevista com Juliana Wallauer e Cris Bartis, do Mamilos
» Entrevista com Thais Fabris, do 65|10
» Vamos falar sobre mulheres e tecnologia?
Se você é criativo, levante a cabeça e olhe: qual a porcentagem de mulheres na criação? Melhor: quantas DIRETORAS de Criação você já teve? Cruze esse dado com a quantidade de DIRETORES. Gostamos de pensar que nós somos vanguarda, trendsetters, “descolados”. Na prática, não questionamos o status-quo e somos conservadores. E, veja, não estou me tirando nesse grupo nem tentando me diferenciar. Lembrem-se de que eu nem cogitei escrever sobre o tema, precisou uma mulher vir me falar para levantar essa lebre.
São elas que sabem o que passam no dia a dia, presenciam situações de preconceito e assédio. Precisamos entender de uma vez por todas que elas não precisam de proteção. Precisam apenas que a gente deixe de agir como idiotas. Por isso, estou aqui muito mais para dividir meus questionamentos e reflexões do que tentar cagar regra. Afinal, como homem, eu nunca vou sentir na pele como é um dia na vida de uma mulher.
1. A Criação como “borracharia”
Desde a época dos Madmen, existe um certo orgulho de assumir o departamento de criação como “borracharia”. Eu me formei profissionalmente assim: em uma criação repleta de homens, com piadas de homens, expressões machistas, cantadas de pedreiro… só faltava o calendário Pirelli pendurado na parede. As mulheres eram minoria, e, para sobreviver, ou elas eram estritamente caladas e profissionais, ou tinham postura extremamente agressiva perante as “gracinhas” proferidas pelos colegas. Em relação a isso, hoje eu vejo que já evoluímos um pouco. Mas também tenho notícias tristes de alguns lugares que a coisa continua como há uma década.
Tenho o privilégio de trabalhar em um departamento de criação em que há várias mulheres. Já vi palestra de criativo renomado falando coisas do tipo: “criação é de homens, atendimento de mulheres” ou até “o atendimento é um ótimo lugar para arrumar esposas”. Juro. Então, quando hoje eu tenho a oportunidade de olhar em volta e ver mulheres mandando bem na criação, repletas de talento e boas ideias, sinto que ainda há esperança para o mercado.
2. Lendas urbanas
“Mulher é muito fofoqueira”. “Mulher arruma muita intriga”. “É insuportável trabalhar com mulher”. Já escutei isso da boca de muita gente. Inclusive, de meninas. Em muitas das vezes em que ouvi essas frases, concordei. Nesse simples ato, não percebi que estava cometendo um grande equívoco: corroborando o machismo no ambiente profissional.
Sério, tem muito homem fofoqueiro, que faz intriga e é insuportável. Essas características não são exclusivas de mulheres. Na verdade, não configuram sequer uma questão de gênero. Para nós, homens, é muito fácil concordar com essas expressões e seguir a vida. Até porque passamos uma vida sem questionar nada disso, sem ao menos tentar avaliar o outro lado. Bora mudar nossa postura?
3. Job tem gênero?
“Moda e produtos de beleza são especialidade da mulher. Futebol e esportes, do homem. Pra que complicar?”. Nessa lógica, sabe quem não teria emprego por muitas vezes? EU. Já trabalhei com moda e beleza. Tudo bem, eu não uso maquiagem, não faço as unhas, não pinto o cabelo. Mas, gente, o que um bom profissional de criação faz quando não entende de algum assunto? Imersão. A gente pesquisa, pergunta pra quem entende, vê vídeos… E o mesmo vale para as meninas!
Há muitas mulheres que não ligam tanto assim para cabelo e maquiagem, muito menos são fashionistas. Do mesmo jeito que há mulheres que são entusiastas de futebol, bebem muita cerveja e sabem quantos cavalos de potência cada modelo de carro tem. O gênero não deve ser um ditador e delimitador para que alguém realize um trabalho.
4. A “minoria” que não é minoria
Numericamente, elas são maioria. Mas, quando a gente para pra analisar décadas de produtos criativos, vemos que elas são tratadas pela publicidade como minoria, do jeito mais pejorativo possível: estereotipadas, objetificadas, com uma visão superficial das suas preferências e valores. Se tivessem mais representação dentro da criação, essas coisas não aconteceriam. Muitas vezes, a gente vê um job na rua e pensa “mas, gente, essas pessoas não têm mãe?”.
Por muito tempo, essas coisas passaram batido. Não mais. Ainda bem! Campanha machista vai ser vidraça, vai tomar pedrada, vai ser criticada sim. E, se eu não tomar cuidado, um dia meu trabalho pode ser essa vidraça. A única saída para nós, homens, é calibrar nosso filtro, e isso passa por conviver e escutar diariamente as mulheres que nos cercam. Entender seus problemas, as dificuldades que passam, enfim, ter empatia.
O exercício aqui é reavaliar nosso humor, critério e até o campo semântico do que escrevemos. Uma dica: ter muitas mulheres competentes na criação é metade do caminho andado. Elas vão levantar as questões que jamais passaram pelas nossas cabeças. Essa diversidade de pensamento na convivência vital é super importante para o departamento de criação. E deveria ser mais valorizada.
5. Contratar por foto não pertence a este século
Ainda hoje, 2016 (quase 2017) existe a escola “contrate as gostosinhas”. Não é história, não é boato: a maioria das agências tem aquele personagem caricato que coloca a foto de perfil do Facebook acima das qualificações profissionais da pessoa. Tem quem pense em “florir” ou “perfumar” a agência, ou até “motivar os rapazes”. Essa talvez seja uma das posturas que mais me incomoda na vida: primeiro porque é triste para uma mulher não ser avaliada pela competência. O processo seletivo de uma vaga não pode ser concurso de beleza. Até porque beleza é um conceito muito relativo.
Também é triste para a equipe: e se a mais “bonitinha”, no critério de quem recrutou, não for a mais qualificada? O departamento de criação opera com equipes reduzidas e prazos apertados, precisamos priorizar competência, experiência e postura. Que fique claro: não estou afirmando e muito menos acho que beleza e competência são qualidades que não podem existir na mesma pessoa. Minha reflexão aqui é sobre critérios: avaliar o currículo, as habilidades e a competência, e não a foto de perfil. Linkedin não é Tinder!
Links úteis
Para finalizar, sei que meus questionamentos são só a ponta do iceberg. É um ponto de vista sob o filtro míope masculino em relação a questão de gênero. Por isso, vou deixar vocês com links (muitos deles fornecidos pela minha querida namorada). São indicações de valor, com questionamentos e projetos feitos por pessoas com muito mais propriedade do que eu: as mulheres. Sigo e pesquiso para tentar melhorar esse meu filtro, para compreender mais as mulheres, para tentar me aprimorar como criativo e, sobretudo, também tentar ser uma pessoa melhor.
Deixo aqui uma lição de casa aos meus colegas homens: vamos ler e refletir. Para as mulheres, deixo toda minha admiração e respeito pela luta.
→ The 3% Conference
→ Elephant on Mad Ave
→ Países que mais tratam homens e mulheres como iguais
→ ThinkOlga
→ 65|10
Esse texto é uma colaboração de Enzo Sunahara, Copywriter atualmente na VML. Caso você também queira colaborar com conteúdos, entre em contato pelo e-mail tutano@trampos.co.
Comments 5