Largar tudo para viver de um projeto pessoal não é para todos. O fotógrafo Fernando Schlaepfer preferiu arriscar. Podia não dar certo, mas deu. Depois de passar por estúdios como Seagulls Fly e Café, largou um emprego fixo na Globo para dedicar-se a trabalhar em suas próprias ideias e valores, sem amarras.
O I Hate Flash existe desde 2008 com as fotos mais descoladas do Rio de Janeiro. Aos poucos, deixou de ser um projeto solo para transformar-se em um coletivo de fotógrafos – dos mais requisitados em festas, festivais de música e catálogos de moda.
Schlaepfer precisou adaptar-se à nova realidade de não ter rotina, de manter uma equipe de 36 pessoas sempre motivada e administrar todos os projetos que agora não têm fronteiras. A escolha dele deu certo. Talvez por ser um rolê de amigos com uma visão diferente de trabalho e de fotografia. E com certeza pelo talento de quem começou tudo isso. Confira a entrevista:
1. Como foi o processo de se demitir e empreender?
O processo em si foi fácil. Eu trabalhava na Globo, a diretora do departamento era uma querida e me xingou por me demitir, mas me incentivou e apoiou a decisão. Difícil foi respirar fundo e aceitar perder a estabilidade e os benefícios que um trabalho no maior cargo dentro do meu departamento em uma empresa gigante proporcionam em troca de uma interrogação gigante (que felizmente virou uma exclamação depois).
2. Hoje, como é a sua rotina de trabalho?
Não existe. Há coisas que eu faço reincidentemente – acompanhamento de trabalhos da equipe, reuniões com os setores e clientes, planejamento de projetos, conversas pessoais com cada fotógrafo –, mas não há uma rotina por cada dia ser completamente diferente do outro, assim como cada trabalho.
3. O que você mais aprende viajando para tantos lugares?
A sair com antecedência para os vôos? Cada viagem é um aprendizado, cada novo país é uma nova experiência e me sinto muito privilegiado em poder conhecer tantas pessoas e tantos lugares em tão pouco tempo.
4. Em um emprego considerado “dos sonhos”, é possível citar um ponto negativo?
Tem vários. A não-rotina muitas vezes é um saco. Não conseguir se planejar muito bem por lidar com infinitas variantes; não cuidar tão bem da saúde quanto gostaria por completa desordem nos horários de comer, dormir, se exercitar; não conseguir dar a atenção que gostaria para a maioria dos amigos.
5. Qual foi o fator decisivo para sua escolha dar certo ao longo desses anos?
Acho que foi entrar de cabeça, apostar todas as fichas. Poderia ter sido a pior decisão se desse errado, mas acho que se não fosse “ou tudo ou nada”, o “mais ou menos” não bastaria. Alguns fatores extremamente desaconselháveis como morar no lugar de trabalho (temos um andar em um prédio onde juntamos dois apartamentos e por uma porta é o QG do I Hate Flash e em outra meu lar doce lar), relacionar pessoal e profissional (100% da equipe do I Hate Flash é composta por amigos, acontece) e não separar trabalho de lazer (por que diabos desaconselham isso mesmo?) são belos exemplos de ir tanto pelo caminho errado que dá a volta e dá certo.
6. O que é mais importante para manter uma equipe de profissionais talentosos?
Dar o máximo de atenção a cada indivíduo. Por mais que definitivamente eu consiga me dedicar muito menos a cada um do que eu gostaria, eu tiro tempo para entender e incentivar o momento de cada um, encontrar aquilo que ele mais tem vontade de fazer (não tem mistério: um profissional invariavelmente vai trabalhar mais e melhor se estiver fazendo aquilo que ama). E recompensar da melhor maneira possível. Desde sempre, 100% do lucro da empresa é reinvestido nela mesma e sempre pagamos o máximo possível para cada participante de um trabalho. É um desafio para o financeiro fazer isso acontecer e manter a saúde financeira da empresa ao mesmo tempo.
7. Como você alimenta sua mente?
Felizmente meu trabalho é 100% dentro da minha área de interesse. A cada pesquisa para um novo job eu estudo referências, aprendo novos meios de resolver um problema, exploro lugares que incentivam minha criatividade e o storytelling. E mesmo fora dos trabalhos, livros, quadrinhos e filmes são tão facilmente relacionados a esses estudos que às vezes não sei se estou consumindo algo por prazer ou interesse profissional. Geralmente para ambos.
8. Três atividades que você gosta de fazer.
Tocar, pedalar e fotografar – mesmo quando não é para um trabalho.
9. Alguma foto favorita?
Resposta impossível.
10. Um fotógrafo(a) que te inspira.
Os fotógrafos que me inspiram diretamente são os que trabalham comigo, seja pelas fotos que produzem, seja pelas ideias, experiências e referências compartilhadas diariamente. Da nova geração, Benoit Paillé. Dos old school, Annie Leibovitz. Das lendas, Helmut Newton. Do cinema, Wes Anderson. Mas aposto que amanhã minha resposta seria diferente.
11. Uma dica para quem está começando.
Comece! A gente vive em uma época que se fala muito e faz pouco. Então ache aquilo que tu amas. Corra atrás. Meta a cara e faça.
12. Qual é o seu próximo objetivo?
Profissional é a reestruturação do I Hate Flash. Até o final do ano mostraremos as novas seções, novo site e novos flash haters. E pessoal é o projeto #365nus [nota da editora: not safe for work], que comecei no meu aniversário desse ano e terminarei no do ano que vem.
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