Antes se descobrir a programação, Zeh Fernando queria ser desenhista. Hoje expressa seu gosto pelo design com trabalhos que favoreçam a experiência do usuário através do visual. Apesar de programar desde os 15, aos 27 anos, optou pelo bacharelado em Design. Antes mesmo de formado, recebeu o convite para trabalhar em Nova York, na Firstborn, onde está há seis anos.
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Tudo isso aconteceu de forma natural, porque desde cedo Zeh se encontrou na profissão. Realizou projetos pessoais de importância para o mercado, como MC Tween e o Tweener – ferramentas relevantes para quem desenvolveu em Flash. Depois de um tempo, entendeu que ama o que faz. Mas alerta: o clichê de gostar do seu trabalho não basta. É preciso também que exista uma demanda e que a profissão ofereça retorno financeiro ao mesmo tempo. Uma combinação difícil que ele conseguiu com o tempo.
Em uma área que tudo muda constantemente, mesmo como referência para seus colegas, sabe que ainda tem muito a conquistar, do kibe frito ao projeto que muda a história de um segmento. Confira a conversa:
1. O que te levou a escolher a programação como trabalho?
Nunca escolhi, pelo menos não conscientemente. Foi algo que simplesmente aconteceu. Eu já gostava muito de programação, já que comecei a programar bem cedo, com 10 anos. Mas de certo modo eu nunca nem pensei que seria uma carreira. Quando me perguntavam, eu dizia que ser policial ou bombeiro. Mas acabou acontecendo: fiz o segundo grau técnico (Processamento de Dados) e consegui meu primeiro emprego aos 15 anos, já como programador. Depois disso nunca mais parei.
2. Como foi seu início no mercado?
Dei muita sorte. Sempre fui fazendo o que gostava, sem pensar muito no futuro. Nesse sentido acho que é bem diferente da maioria das outras carreiras por aí: eu já sabia bem cedo o que curtia, fui levado pela correnteza. Era uma questão mais de escolher entre várias portas abertas, ao invés de ter de sair tocando campainhas até achar algo. Não que tenha sido um início completamente linear. Eu parar e repensei o que estava fazendo diversas vezes. Numa dessas vezes, tive de me situar novamente, como quando desisti de fazer uma faculdade mais técnica, preferindo mais design e trabalhar com agências de publicidade.
3. Quando você criou o tweener foi dentro de um projeto pessoal? Como aconteceu?
Foi um projeto pessoal. Sempre me guiei muito pelos projetos pessoais, sempre curti fazer algo só para experimentar, sem o medo de dar certo ou errado. Eu já tinha criado um outro mecanismo de tweening anteriormente, MC Tween, que foi criado dentro da Grafikonstruct pra facilitar o desenvolvimento dentro do estúdio (mas que acabou explodindo e ficando muito mais popular do que eu pensei que seria). Tweener foi mais o desejo de querer experimentar com uma sintaxe nova (dados os avanços da linguagem ActionScript na época).
4. Como o design está ligado hoje ao seu trabalho e dia a dia?.
Sou programador e gosto dos desafios mais introspectivos como, digamos, fazer uma cache funcionar bem. Mas a parte que eu gosto mesmo é de ver o código que trabalha com algo visual, que soluciona um problema de experiência de usuário de forma bacana, que dá vida a um design. Nesse sentido, gostar de design e principalmente de animação são quesitos fundamentais.
5. Você atuou em agências que foram referência em interactive no Brasil, como a Grafikonstruct e a Gringo (atual Possible). Como foram essas experiências?.
Dei sorte de trabalhar nos melhores estúdios do Brasil. É algo pelo qual fico muito feliz e serei muito grato para sempre. Foram experiências fenomenais, nas quais fui muito desafiado mas também aprendi demais. Trabalhei com pessoas fantásticas e inspiradoras, que me ensinaram a sonhar e a acreditar. Isso não tem preço.
6. Como aconteceu a migração e o convite para ir trabalhar em Nova York na Firstborn?
Foi algo quase por acidente. Eu já gostava bastante da Firstborn e queria trabalhar com eles. Meu plano, na época, era terminar a faculdade e aí entrar em contato com a empresa, dizendo que iria visitar Nova York e perguntando se eles estavam disponíveis pra entrevistas, essas coisas. Mas dois anos antes de eu me formar, o Francis Turmel (hoje, CTO da Firstborn) entrou em contato comigo por e-mail oferecendo uma vaga. Foi algo que me pegou de surpresa e me deixou muito feliz. Eles me contrataram e comecei a fazer freelance. Quase dois anos depois, terminada a faculdade e com a burocracia do visto realizada, estava em Nova York oficialmente.
7. Como enxerga o mercado de agências aí? É muito diferente do brasileiro?
É muito diferente. Eu nunca trabalhei em agências muito grandes no Brasil, por isso não posso fazer uma comparação 100% honesta. É, principalmente, uma diferença cultural. Existe um certo pragmatismo no mercado e um comprometimento que não existe no Brasil, salvo em raríssimas exceções. Talvez pelo mercado ser muito maior e competitivo ou pela influência cultural de diversos países. No geral, o trabalho aqui é mais direto e recompensador, do meu ponto de vista.
8. O que você aprendeu sobre construir uma carreira fora do país?
Estou aqui há seis anos e aprendi muita coisa. A mais importante é que raramente temos noção de nossa própria ignorância. Não estou falando de Brasileiros, mas de pessoas em geral. Você questiona coisas que achava imutáveis. É, realmente, abrir a cabeça. Você começa a ver coisas de perspectivas diferentes. O legal aqui é que se você faz um trabalho bom, vai ter uma carreira boa. O mercado é enorme, sobram empresas e falta gente boa. A carreira está assegurada. O resto você faz sozinho. Isso pode ser excitante para alguns, e assustador para outros.
9. Como é sua rotina?
Acordar, fazer café, tomar café, ler o noticiário. Ir pro trabalho de metrô, bicicleta ou andando. Leio notícias da minha área pela manhã: Hacker news, reddit, essas coisas. Aí começo a trabalhar. Não tenho uma rotina específica durante o dia, fico indo de uma coisa para outra. Como trabalho com projetos diferentes, a rotina pode mudar bastante. Meio-dia, almoço, geralmente com os outros desenvolvedores daqui. À tarde, mais trabalho. Às 17h geralmente bebo uma cerveja com o pessoal do trabalho (temos cerveja aqui dentro), e às 19h, mais ou menos, saio. Depois, me encontro com amigos ou minha mulher na cidade para beber ou jantar. Se tiver voltado pra casa, vejo filmes ou séries de TV.
10. Como você define sua relação com o trabalho?
Muito boa. Nunca trabalho à noite, ou final de semana. Já aconteceu, mas é bem raro. E como a locomoção é fácil, existe vida durante a semana, quando vejo amigos ou faço algo à noite.
11. Como é um dia de trabalho ideal e produtivo para você?
Um dia sem reuniões, onde tenho tarefas específicas a completar e muito código a escrever.
12. E o melhor ambiente de trabalho?
Essa é uma questão difícil, porque existe um grande debate sobre isso para programadores. Aqui, como em muitas outras agências, estamos num ambiente aberto, sem salas ou baias. Acho que isso me distrai bastante. Trabalho com música para me concentrar. O ideal seria trabalhar num ambiente mais fechado, sem pessoas do lado ou outros sons (ou conversas) distraindo.
13. Um livro e um filme que te ensinaram algo.
“Good to Great”, do James C. Collins. É meio cafona falar isso, porque esse é um livro mais sobre administração de empresas do que outra coisa. Mas ele toca em alguns tópicos bastante interessantes e inspiradores. Fez eu rever muitos dos meus conceitos, e aprender bastante. Sob o risco de soar pomposo, “Koyaanisqatsi“, que são sequências (mais ou menos) desconexas de filmagens sobre o mundo. Gosto de documentários, e esse filme sempre tem um impacto enorme pra mim.
14. Uma pessoa que te inspira.
Minha esposa. Ela me fez uma pessoa melhor, me faz enxergar coisas de formas diferentes e me desafia de uma forma que nunca fui desafiado. É uma daquelas coisas difíceis de explicar. Mas não consigo me imaginar sem ela.
15. Cite algumas atividades que você gosta de fazer fora trabalhar.
Programar nas horas vagas, serve? Andar, jogar videogame e ler livros.
16. Três coisas do Brasil que você sente falta.
Aqui existem vários restaurantes brasileiros e algumas comidas são bem fáceis de achar. Outras são impossíveis. O kibe é uma delas. Um futebol mais profissional, no quesito jogador bem como no quesito torcedor. Bauru. Dá pra fazer sozinho, mas é trabalhoso e não tem pão perfeito pra isso.
17. Qual é seu próximo objetivo?
Eu estou aprendendo bastante ainda. Profissionalmente, pra ser honesto, espero assumir mais responsabilidades e trabalhar melhor com equipes grandes no futuro. Sempre fui uma pessoa mais reservada, então é algo onde ainda tenho muito o que aprender. Pessoalmente, investir na família, já que me casei recentemente.
18. Uma dica para quem está começando.
Acho que o básico é sempre aprender inglês. É a porta de entrada pra todo o resto. Já falei (e outras pessoas falaram) muito sobre isso, então não vou repetir porque acho que muita gente deve estar cansada de ouvir falar. Para programação, é muito fazer do que gosta. Não tem uma linguagem específica: esse tipo de coisa muda sempre e se você sabe uma linguagem bem, pega outra facilmente. Não vale a pena se restringir muito. Comece onde quiser.
Dizer “faça o que você gosta!” é um conselho perigoso, porque não vale para todo mundo. Hoje eu acredito que precisa ser um balanço de três coisas: algo que você gosta (porque vai ser fácil de lidar no dia a dia), algo que você pode ser bom, e algo que tem demanda, e paga as contas. É uma questão difícil, de achar não só um trabalho do que você gosta mas algo que te recompensa de volta.
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