Aqui vai um dado interessante: o jornalismo de dados está se tornando parte do establishment. Não no sentido elite de Oxbridge (apesar de haver dados sobre isso), mas no sentido de se tornar um padrão da indústria.
Segundo o último levantamento do Google News Lab sobre jornalismo de dados, 51% das empresas nos EUA e Europa contam com jornalistas dedicados exclusivamente à área. No entanto, 53% dos entrevistados acredita que o jornalismo de dados exige treinamento extensivo e especialização.
A cada dia temos novos e mais inovadores jornalistas no mercado, e com eles, novas habilidades e técnicas. Então, não só o jornalismo de dados está mudando, como também está mudando o jornalismo em si.
Esses são alguns dos tópicos abordados em conversas recentes que resolvi reunir em só um lugar. Esse texto é sobre o que é jornalismo de dados e como o The Guardian faz esse tipo de procedimento, em 10 tópicos simples.
1. Pode ser tendência, mas não é novidade
O jornalismo de dados existe desde que existem os dados – ou pelo menos desde os famosos gráficos e relatórios das condições enfrentadas pelos soldados britânicos, de Florence Nightingale, em 1858. A primeira edição do The Guardian foi uma cobertura jornalística dominada por uma tabela (gigantesca) de todas as escolas em Manchester, seus custos e capacidade de alunos.
Qual é a principal diferença entre antes e agora? Dados eram publicados em livros (muito caros, aliás) onde estas informações eram chamadas de “diagramas”. Agora que temos tabelas e arquivos formatados por computadores, significa que podemos pedir aos computadores que façam as perguntas.
2. Dados abertos significam jornalismo de dados abertos
Agora que as estatísticas se tornaram mais democráticas, jornalismo de dados não é mais um privilégio de poucos, podendo ser utilizado por qualquer um que tenha um software de planilhas no seu computador, celular ou até dispositivos móveis. Qualquer um pode pegar um “temível” conjunto de dados e dar forma a ele. Claro que as pessoas podem errar, mas você também pode encontrar ajuda facilmente nessa tarefa difícil. Não estamos mais sozinhos nessa.
O Straight Statistics te dará milhares de exemplos de jornalistas que estão pegando esses dados e levando eles para a direção errada. Mas você também não precisa ir muito longe para ver o jornalismo de dados funcionando. Mesmo não estando no âmago dos jornais tradicionais e das novas organizações, há muito disso em grupos independentes – veja exemplos do ProPublica, Wheredoesmymoneygo? e o Sunlight Foundation (além de jornais como o Nexo) e o que eles estão produzindo. Jornalismo de dados é sobre beber de fontes diversas.
No The Guardian, ser parte do processo de construção da notícia significa que somos parte do departamento de notícias. O que também permite que essas pessoas envolvidas possam ir a reuniões importantes de pauta e fazer parte de discussões editoriais.
3. Jornalismo de dados virou curadoria?
Algumas vezes. Agora, há tantos dados disponíveis, vindos de todos os lugares do mundo o tempo todo, que temos que achar fatores principais para cada história – e encontrar a informação certa pode ser uma tarefa jornalística tão longa quanto encontrar a fonte certa para uma matéria. Começamos a procurar dados de governos mundiais e de desenvolvimentos de dados internacionais.
4. Conjuntos de dados maiores, assuntos específicos
Os dados estão se tornando massivos – há mais de 391.000 registros sobre o Iraque no Wikileaks, milhões sobre o banco de dados Coins. Em um dos nossos artigos, é possível conferir os índices de pobreza da Inglaterra – que têm mais de 32.482 registros. Somando a isso, o governo tem tornado os dados cada vez mais acessíveis sobre coisas pequenas, através da Lei de Acesso à Informação. Isso tudo torna o processo de jornalismo de dados mais fácil. Vale lembrar que esse não é o caso quando os dados são abertos, mas não fáceis de manejar.
5. Jornalismo de dados é 80% suor, 10% boas ideias e 10% resultados
Simplesmente é assim. Gastamos horas fazendo conjuntos de dados funcionarem, reformatando pdfs, juntando informações e tudo mais. Você pode ver no infográfico abaixo o quanto é feito antes que os dados cheguem até você. Na maioria das vezes, os jornalistas são a ponte entre os dados (e aqueles que não conseguem explicá-los) e as pessoas do mundo real que querem entender o que eles realmente significam.
6. Formato longo ou formato curto?
Tradicionalmente, alguns dos piores formatos de jornalismo de dados envolve gastar semanas em um único conjunto de dados, virando e revirando ele, até eventualmente produzir algo que diverge do sentido original dos dados. E os melhores envolvem semanas trabalhando com gestão de informação antes de ficar andando em círculos com os mesmos dados.
Há um novo formato de jornalismo de dados que se resume a encontrar dados chave, analisando e guiando os leitores pela história completa, enquanto a informação ainda faz parte da notícia. O truque é produzir análises de dados, usando a tecnologia a seu dispor, o mais rápido possível. E, é claro, não errar nos números.
7. Qualquer um pode fazê-lo…
Especialmente com ferramentas gratuitas e fáceis de usar (até para leigos) como o Google Fusion Tables, Many Eyes, Google Charts ou o Timetric. Vale a pena conferir.
8. … mas pode ter o visual que você quiser
Um bom design dificilmente é algo que vá perder a importância no jornalismo de dados. Pode ser algo como o guia interativo sobre serviços para idosos (abaixo) ou até quem conhecia quem no escândalo do grampeamento do News of The World. Eles funcionam porque foram desenhados por, não máquinas, mas sim humanos que entendem a importância dos tópicos abordados e a dificuldade para interpretá-los.
Você pode conferir as ferramentas preferidas para construção de gráficos do Volt Data Lab nesse post.
9. Você não precisa ser um(a) programador(a)
Você pode se tornar um(a) desenvolvedor(a) top, se quiser. Mas a maior tarefa é pensar nos dados como um jornalista, não como um Analista. O que é interessante sobre esses números? O que é novidade? O que daria para descobrir se eu juntasse esses dados com outros? Responder essas perguntas é mais importante do que todo o resto.
10. Jornalismo de dados (ainda) é sobre histórias
Jornalismo de dados não é só gráficos e visualização de dados. É sobre contar uma história da melhor forma possível. Algumas vezes, a melhor forma será uma visualização ou um mapa. Outras vezes, será um artigo jornalístico “comum”. E outras vezes, só demonstrar os números que você obteve já é o suficiente.
Se debruçar sobre planilhas, analisá-las, interpretá-las e transformá-las em pauta parece uma tarefa impossível? Faça a sua apuração render com o curso Jornalismo de Dados. Você vai aprender a transformar mapas, gráficos e relatórios em histórias de impacto e sucesso!
Aprenda com quem domina o assunto
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Aprenda a analisar tendências, interpretar gráficos, dados e tabelas e traduzi-los para conteúdo relevante, desde pautas institucionais até grandes reportagens.
Cientista de Dados no Nexo Jornal desde 2017 e mestre em Ciência Política pela USP.
Publicado originalmente no [ The Guardian ]. Tradução e adaptação por Tutano.
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